Veja a letra da Canção da PM
Todas as organizações cantam: cantam os fiéis e os corais nas igrejas, cantam os soldados e policiais nos quartéis, cantam os funcionários de empresas orientais ao iniciar-se o expediente, cantam os escolares, cantam os escoteiros, cantam os membros de clubes de serviço, canta o povo nos eventos esportivos e artísticos, cantam as corporações, as cidades e nações interpretando seus hinos.
A música está presente na Polícia Militar desde os primórdios da Instituição. Já em 07 de abril de 1857 foi organizado o conjunto musical do então denominado Corpo Policial Permanente, que se destinava a auxiliar a instrução e proporcionar lazer aos membros da Milícia.
Foram esses músicos que acompanharam os "Permanentes", pela estrada das Lágrimas, quando desciam a serra do mar rumo ao porto de Santos e, dali, rumo ao teatro de operações do Paraguai, recebendo-os, posteriormente, de retorno do front, quando retornavam a São Paulo.
A esse tempo, a Instituição não possuía um hino, limitando-se seus integrantes a cantarem canções patrióticas, militares (aproveitadas do Exército Imperial) e populares, muitas vezes acompanhados apenas por violão, como ocorreu, por exemplo, durante a "Retirada da Laguna", segundo registrou Alfredo Taunay em sua obra homônima à campanha.
O primeiro ensaio de uma canção que identificasse a Força Pública revelou-se durante os momentos que antecederam o movimento constitucionalista de 32. Poucas horas após os graves episódios acontecidos na Praça da República, em 23 e 24 de maio, e que resultaram na morte de Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, o radialista César Ladeira adentrou às dependências da rádio Record e pediu ao operador que colocasse uma marcha militar como fundo para difundir a notícia aos ouvintes. Quase acidentalmente, o operador tomou o primeiro disco disponível sobre o tema e veiculou a marcha "Paris Belfort".
Essa canção, composta durante a guerra franco-prussiana de 1870, foi trazida a São Paulo provavelmente pelos componentes da missão francesa de instrução da Força Pública (1906/1914 – 1919/1924) e adotada pela alma popular como um entusiástico e verdadeiro hino do movimento constitucionalista que eclodiu a 09 de julho de 32.
Embora não possamos afirmar que tenha sido adotada formalmente, como hino de uso exclusivo pela Força Pública, pois todas as forças constitucionalistas, indistintamente, a empregaram, "Paris Belfort" adquiriu uma estreita identidade com a Instituição, que viveu em 1932 um momento épico de dor e de glória e que, possivelmente, jamais tenha sido igualado até o presente.
Após a derrota das armas constitucionalistas para as forças da ditadura, assistimos ao redirecionamento da Força para a atividade policial, em detrimento da velha tradição bélica que imperou desde o início da República.
A remodelação do ensino policial militar, resultando em gerações de Oficiais com maior qualificação humanística, jurídica, literária e científica, passou a conceder espaço para manifestações mais intelectualizadas por parte da Oficialidade.
Assim, em princípio de 1950, o Tenente Elêusis Dias Peixoto, jovem Oficial do BG, compõe a "Canção do Batalhão de Guardas", inaugurando a fase das canções tipicamente policiais militares.
Marcante também foi a composição, em 1956, pelo maestro Clíneo Monteiro França e pelo Cadete Ilo Mello Xavier do "Hino da Escola de Oficiais", oficializado a partir de abril de 1957.
Dessa maneira, as primeiras canções policiais militares passaram a fazer parte da cultura miliciana, que, entretanto, se ressentia de um Hino que louvasse os feitos gloriosos da Instituição como um todo.
A Canção da Polícia Militar
No início de 1964 o Cap Antonio Augusto Neves, Chefe do Setor de Relações Públicas da Força Pública (FP), comentou com o Gen Res Ex João Franco Pontes – Comandante Geral da Força Pública, que as Unidades da Corporação tinham Hino e que a Milícia Bandeirante não tinha e sugeriu que ele pedisse a alguém de renome para escrever a letra do Hino da Força Pública. Algum tempo depois o Comandante Geral chamou o Cap Neves e disse-lhe que havia conversado com o poeta Guilherme de Almeida e pedido para ele escrever a letra do Hino e recomendou ao Oficial que juntasse documentos sobre a história da Corporação e fosse ao escritório que o poeta tinha no centro da cidade.
No mesmo dia, de posse de documentos que relatavam fatos históricos da Força Pública, compareceu ao escritório de Guilherme de Almeida, situado no Hotel da Paz, na Rua Barão de Itapetininga (1ºquarteirão, ao lado esquerdo, saindo da Praça da República). O poeta lhe disse: “É para mim uma honra escrever a letra do Hino da Força Pública”. O Cap Neves colocou-se à disposição para qualquer esclarecimento ou informação sobre a FP e que ficaria aguardando a comunicação para ir buscar a letra.
Como o tempo ia passando e não havia qualquer comunicação de Guilherme de Almeida, o Cap Neves cobrado do poeta, de vez em quando, a letra solicitada. Na última cobrança do Capitão, o poeta lhe respondeu: “Capitão, não adianta eu sentar e tentar escrever a letra, é preciso vir a inspiração. Quando estiver pronta eu lhe telefono”.
Ainda em 1964, o Capitão Neves recebeu telefonema de Guilherme de Almeida dizendo “Está pronta, pode vir buscar a letra da Canção da Força Pública”.
Imediatamente foi ao escritório do poeta Guilherme de Almeida, leu a letra e, emocionado, agradeceu em nome do Comandante Geral, Gen Res Ex Franco Pontes. Logo a seguir dirigiu-se ao Corpo Musical, tendo entregue a letra ao Major Maestro Jacomo Degobbi que iria fazer a música, como determinara o Comandante Geral da FP.
A “CANÇÃO DA FORÇA PÚBLICA” foi cantada pela primeira vez na Academia do Barro Branco, em 1964, tendo o Comandante Geral escolhido a data comemorativa da criação da Força Pública do Estado de São Paulo, 15 de dezembro.
Explicando a Canção
FEIJÓ CONCLAMA - O padre Diogo Antonio Feijó, ministro da Justiça da Regência Trina, face à insegurança do país, assolado por graves perturbações, extinguiu, a 10 de outubro de 1831, todos os corpos até então encarregados da segurança pública, determinando que cada Província organizasse um único corpo policial, composto exclusivamente por voluntários, em serviço permanente, e que se encarregasse de "... manter a tranqüilidade pública e auxiliar a Justiça". Surgia, desse modo, a célula mater das polícias militares brasileiras.
TOBIAS MANDA – Como Presidente do Conselho da Província de São Paulo ( cargo hoje correspondente a Governador do Estado ), o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar deu provimento à determinação de Feijó, criando, em 15 de dezembro de 1831, o Corpo de Guardas Municipais Voluntários, "célula mater" da atual Polícia Militar.
OS CENTO E TRINTA DE TRINTA E UM - O poeta faz alusão ao efetivo inicial da Milícia (130 homens, sendo 100 infantes e 30 cavalarianos) e ao ano de sua criação ( 1831 ).
POR MERCÊ DE DEUS – Pela graça, pela vontade divina. Linguagem presente na maior parte das leis do Império e Regência, evoca as raízes cristãs da Milícia, que incorpora à sua missão os valores da ética cristã: absoluto respeito à vida, à integridade física e à dignidade humana, caridade, fé, esperança, coragem para denunciar, enfrentar e resistir ao mal, sede de justiça e de verdade, amor à paz .
SEUS PASSOS DEIXAM, FUNDO NA TERRA, RASTRO E RAÍZES - A Instituição, em sua trajetória de 168 anos, tem deixado rastros gloriosos, ao defender a ordem pública não só em território paulista mas em todos os quadrantes do território nacional e mesmo no exterior, quando seus membros integraram as forças de paz da ONU em Suez e na África portuguesa.
Além disso, tem contribuído com o desenvolvimento da polícia ostensiva brasileira e latino-americana, por meio de seus cursos, estágios e missões de instrução.
Mas, não apenas rastros tem deixado, mas também raízes, quando sua ação modifica, positiva e definitivamente, a situação social das áreas onde atua.
Campos das Palmas, a proteção à vida dos colonizadores pioneiros do oeste paulista, o combate e erradicação do cancro cítrico e da doença de chagas pelo interior, a hercúlea tarefa empreitada pelo então Capitão Edgard Pereira Armond, rasgando a serra e abrindo a primeira estrada permanente ligando Caraguatatuba e, por extensão, todo o litoral norte à civilização, são apenas alguns exemplos que confirmam esta assertiva.
MULTIPLICANDO POR MIL E UM, OS CENTO E TRINTA – O poeta lança o vaticínio de que a Instituição que, em 1831, nasceu modesta ( 130 homens ), por seus serviços se transformaria numa grande instituição, patrimônio do povo paulista, o que hoje é realidade.
MISSÃO CUMPRIDA EM CAMPOS DAS PALMAS – Missão cumprida na libertação do caminho, assolado por delinqüentes e índios hostis, no Sul do atual Estado do Paraná ( então parte da Província de São Paulo ) e na colonização e desbravamento da área (1839/45). O Capitão Hermógenes Carneiro Lobo Ferreira, após libertar as vias de acesso que ligavam São Paulo às regiões produtoras do Rio Grande do Sul, realiza o primeiro levantamento cartográfico da região do rio Iguaçu e seus afluentes. Esses mapas, mais tarde habilmente empregados pelo Barão do Rio Branco, foram essenciais para provar a posse brasileira de vasta área na região do Iguaçu, assegurando ao Brasil seus limites de fronteira, em dissídio sustentado com a Argentina. Lobo Ferreira incrementou o comércio e a produção, fundou colônia agropecuária, firmou a paz com índios bravios e fundou a cidade de Palmas. Em seu relatório de prestação de contas ao Governo da Província de São Paulo, Lobo Ferreira afirmou haver cumprido a missão que lhe havia sido atribuída, o que inspirou Guilherme de Almeida a utilizar tal frase.
LAGUNA, HEROÍSMO NA "RETIRADA" – A Guerra do Paraguai entrava já em seu terceiro ano quando, a 20 de abril de 1867, a coluna de marcha do Exército Imperial, à qual se encontravam incorporados os efetivos do Corpo Policial Permanente, invadiu o território paraguaio.
Penetrando na região pantanosa de Laguna, guarnecida por numerosa e adestrada força de cavalaria paraguaia, avançou a coluna sob as vistas do inimigo que se retirava estrategicamente, arrasando tudo, visando atrair as forças brasileiras para dentro do território paraguaio.
A 01 de maio deu-se o primeiro embate, quando, a despeito de haver vencido o combate, não pôde a coluna brasileira resistir à superioridade das forças paraguaias, sendo obrigada a retirar-se, de regresso ao território pátrio, em 08 de maio de 1867, sob comando do Coronel Carlos de Moraes Camisão.
Por 35 dias e noites, sem alimentos ou roupas adequadas, enfrentando condições climáticas inclementes, varando pântanos insalubres, vitimada por doenças tropicais (tifo, cólera etc) retirou-se a coluna brasileira, sempre acossada pelo inimigo superior em recursos, que não poupava a vida mesmo de enfermos, abandonados aos seus cuidados e misericórdia.
Utilizava, ainda, o inimigo, a técnica de atear fogo aos capões de mato onde os brasileiros, exaustos, buscavam abrigar-se. Finalmente, os remanescentes conseguiram retornar ao solo brasileiro. Dos 1650 integrantes originais da coluna, restaram vivos 700.
Os que regressaram não abandonaram ao inimigo seus canhões ou bandeiras.
O Tenente de Engenharia do Exército Imperial Alfredo D’Escragnolle Taunay, partícipe desse episódio, sobre ele escreveu o épico: "A Retirada da Laguna".
Anos depois, quando a sorte das armas alemãs mostrava-se desfavorável na I Guerra Mundial, o Alto-Comando do Exército teutônico mandou imprimir e distribuir nas trincheiras milhões de exemplares dessa obra de Taunay, devidamente traduzida para o idioma alemão, empregando-a como instrumento de estímulo e alento às tropas extenuadas na luta contra os Aliados.
GLÓRIA EM CANUDOS – O grave problema social que serviu de fermento para a explosão da luta em Canudos já havia degenerado em luta aberta entre forças fiéis ao Governo da República e forças irregulares sob a liderança carismática do Antônio Conselheiro.
A terceira expedição enviada a Canudos, sob o Comando do legendário Coronel Moreira César culminara em um total fracasso, resultando no massacre dos militares, dispersão e fuga dos sobreviventes e na apreensão, pelos sertanejos, de farto material bélico, inclusive armas automáticas e peças de artilharia.
Organizou o Governo da República, então, uma expedição militar de grande porte, confiando seu Comando ao General Arthur Oscar e sob a supervisão do próprio Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt.
Efetivos das polícias militares da Bahia, Pará e Amazonas foram incorporados à expedição, bem como o efetivo do 1° Batalhão da Força Pública de São Paulo, hoje 1° Batalhão de Polícia de Choque – Batalhão "Tobias de Aguiar".
A essa Unidade foi confiada a complexa missão de escoltar os comboios de víveres destinados ao suprimento das forças em operações na região de Canudos. Missão complexa, pois essas colunas de suprimento eram exatamente as mais visadas nos assaltos e emboscadas realizados pelos homens do Conselheiro.
Levando a bom termo essa missão, credenciou-se a Unidade paulista a ser escolhida pelo Comando das operações a constituir uma das linhas de vanguarda no ataque à cidadela de Canudos. As operações de escolta e o combate, casa a casa, visando ocupar Canudos resultaram na morte de 12 milicianos. Dezenas de componentes do 1° Batalhão foram feridos, inclusive seu Subcomandante.
No retorno a São Paulo, a Unidade foi recebida em triunfo pelas autoridades e pelo povo, que, inclusive, doou, mediante subscrição popular, um padrão de pedra ao 1° Batalhão, hoje erigido em seu pátio interno, em memória dessa campanha e dos mortos da Unidade.
E DE ARMAS E ALMAS, AO NOSSO JULHO DA CLARINADA - Essa frase evoca o movimento constitucionalista irrompido a 09 de julho de 1932, quando São Paulo fez soar a clarinada, convocando os paulistas, de nascimento ou de coração, para pegar em armas para restaurar a Lei Magna, a liberdade e a democracia em solo brasileiro, afrontado pela imposição de uma ditadura, que se perpetuava no poder, à margem da lei, desde 1930.
O alistamento massivo de voluntários, moços e idosos, crianças e adolescentes, o engajamento das mulheres, das comunidades étnicas, dos imigrantes, do clero, dos alunos e docentes das faculdades, dos profissionais liberais, dos artistas, operários, comerciantes e empresariado, construiu o maior movimento cívico-militar e o mais importante movimento de opinião pública da história brasileira.
SOB AS ARCADAS, VÊM, UM A UM,... – Como Guilherme de Almeida não deixou explícita a fonte de sua inspiração, três hipóteses podem ser formuladas:
A primeira – As arcadas são símbolos universais e milenares de triunfo militar. Os arcos do triunfo, evocando, por exemplo, as campanhas vitoriosas de Trajano (Roma) e de Napoleão Bonaparte (Paris) são cartões postais conhecidos em todo o mundo. Os nazistas desfilaram sob o Arco do Triunfo em 1940. Os franceses, no dia da Libertação, em 1944, vingaram-se da humilhação anterior, desfilando sob as mesmas arcadas.
Várias vezes, também no Brasil, forças vitoriosas desfilaram, no retorno de suas campanhas, sob Arcos do Triunfo, como ocorreu, por exemplo, ao retornarem de Canudos e da Campanha da Itália (FEB).
Assim o poeta, após traçar um retrato das várias intervenções bem sucedidas da Polícia Militar na história paulista e brasileira, afirmaria que os integrantes da Instituição retornam em triunfo à sua sede, com o sentimento do dever cumprido e o respeito e a gratidão da comunidade.
A segunda – As Arcadas evocariam a forma arquitetônica presente no convento de São Francisco, onde instalou-se a Faculdade de Direito de São Paulo.
Nesse edifício, o maior celeiro de líderes políticos da história brasileira e paulista e sensório jurídico do país, foi instalado o posto central de alistamento de voluntários civis durante o movimento constitucionalista de 1932.
Após alistados, os voluntários eram conduzidos a campos de treinamento, onde eram entregues aos cuidados de monitores e instrutores da Força Pública que os adestravam brevemente, antes de seguirem para o front.
Esse momento histórico representou um dos pontos culminantes da integração entre a Polícia Militar e a comunidade paulista, à qual serve.
A terceira – Recordaria as arcadas do Convento do Carmo, cuja ala térrea sediou o primeiro aquartelamento ocupado, a partir de 1832, pela Polícia Militar.
Dessa forma, a "Canção da Polícia Militar", fruto da genialidade poética de Guilherme de Almeida, valorizada pela competência e vibração de Degobbi, é um digno resumo, a espelhar os dramas, os desafios e as vitórias dessa Força que serve a comunidade e protege as pessoas contra atos ilegais, nas cidades, nas ruas e estradas, nos céus, nas águas e florestas de São Paulo.
Texto: Maj PM Luiz Eduardo Pesce de Arruda